Praga de bivalves límnicos em açudes |
Ignacio Agudo
10/2005 |
Nestes últimos anos tem surgido no Brasil uma nova e inusitada "praga"
nos pesqueiros de lazer e pisciculturas comerciais que está virando
sério problema nestes empreendimentos, particularmente em aqueles localizados
nos Estados do Sudeste e Sul do Brasil, ocasionada pela fase larval parasítica
de certos moluscos bivalves de água doce nativos popularmente conhecidos
como "Naiades", que se fixam em altas concentrações
nas guelras e nadadeiras dos peixes provocando coceiras nos mesmos e tornando-os
ásperos (com aspecto desagradável para os clientes de pescaria),
restando oxigênio aos peixes assim afetados, abrindo feridas para bactérias
e fungos, mudando a cor da água dos viveiros e criatórios, sendo
que em cursos de água livre isto não acontece devido a que as
larvas, ao completarem o seu ciclo parasítico, se dispersam / espalham
no ambiente.
Anodontites trapesialis |
Tal situação envolve a presença
de grandes bivalves de água doce, principalmente Anodontites trapesialis
(Lamarck, 1819), nos tanques e açudes destinados a criação
de peixes, moluscos bivalves pertencentes à Ordem Unionoida e a Família
Mycetopodidae, típicos nos ambientes referidos e dos quais fundamentadamente
se suspeita ingressam "acidentalmente" nos açudes e criatórios
confinados através de matrizes e alevinos previamente contaminados
(parasitados) com larvas do tipo "Lasidium" da espécie, oriundos
de outros locais / viveiros previamente infestados, sendo que o seu controle
nos referidos locais pode resultar relativamente simples, bastando aplicar
apenas algumas medidas preventivas mínimas "não agressivas
a natureza", tais como a retirada manual de todas as conchas encontradas
nos reservatórios piscícolas após a secagem dos mesmos
durante o processo de limpeza e esvaziamento, a prévia certificação
da não ocorrência destes moluscos nas fontes de água naturais
normalmente utilizadas no preenchimento dos viveiros, e manter um rigoroso
controle no que respeita a procedência e sanidade física dos
novos peixes a serem introduzidos.
Os bivalves de água doce ou naiades
ocorrentes no Brasil pertencentes especificamente à Ordem UNIONOIDA
possuem sexos separados, com ovos incubados em marsúpios presos as
brânquias das fêmeas, sendo caracterizados basicamente pelo tipo
de larva que geram como resultado do seu ciclo biológico, apresentando
fases larvárias parasíticas na sua maioria que utilizam peixes
como meio de dispersão, basicamente de 2 tipos: o GLOQUÍDIO,
próprio dos representantes da família HYRIIDAE (ex: gêneros
Diplodon & Castalia), e o LASÍDIO, específico
das Naiades da família MYCETOPODIDAE (ex: gêneros Mycetopoda,
Leila, Monocondylaea, Haasica, Fossula, Anodontites).
"Gloquídeo"
é todo de tipo de larva produzida por moluscos bivalves de água
doce constituída de uma concha bivalve, cujas valvas estão ligadas
entre si por um músculo adutor e apresentam nos bordos cerdas sensitivas
e, nalguns casos, dentes ou ganchos, exteriorizando-se entre as valvas um
fio larval, mais ou menos longo que serve, junto aos dentes ou ganchos, para
que a larva se fixe no hospedeiro (geralmente peixes), sendo que quando o
fio larval é muito longo e apresenta algumas poucas modificações
na sua constituição, tal larva recebe então o nome de
"Lasídeo".
Exemplo do ciclo vital geral em bivalves
limnicos Naiade
1) |
Sifão exalante (Cloacal) |
a) |
Naiade fêmea reprodutora |
2) |
Gloquídeos |
b) |
Gloquídeo |
3) |
Guelras - Brânquias |
c) |
Peixe hospedeiro |
4) |
Nadadeiras |
d) |
Fixação e penetração
do Gloquídeo no tegumento |
5) |
Gloquídeos no tegumento |
e) |
Gloquídeos transformados
e livres |
6) |
Gloquídeos transformado |
f) |
Naiade jovem |
7) |
Jovens Naiades em desenvolvimento |
|
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|
Exemplo de larvas parasíticas produzidas
por bivalves de água doce ou Naiades
Gloquídeo (esquerda) e Lasídeo (direita)
Adaptado de Thomé & Lema (1973, pg.:322) |
Em geral, os conhecimentos
sobre a sistemática e distribuição do grupo no país
são ainda incipientes, e só recentemente estudos sistemáticos
e biológicos mais atentos vêm sendo realizados, sendo encontrados
em lagos, açudes, lagoas, e mesmo em águas correntes como córregos,
riachos e rios, normalmente com 2/3 da concha enterrada na areia; por vezes
suportam condições de estagnação, sendo conhecidos
casos de estivação no Nordeste brasileiro.
Quanto a sua importância
para o homem se refere, a camada nacarada das conchas e utilizada como núcleo
de pérolas cultivadas e algumas espécies do gênero Diplodon,
devido a grande espessura da concha, são empregadas por industrias
de botões, sendo que ultimamente vem sendo utilizadas ainda na elaboração
de peças de artesanatos e de enfeites corporais, dentre outros. Pequenas
lascas de nácar são incluídas nos pisos de granilite.
Finalmente, podem ser utilizados
como alimento para seres humanos e aves de corte, existindo neste sentido
manifesto interesse no tocante à possibilidade do viável aproveitamento
de espécies tais como Anodontites trapesialis (Lamarck, 1819)
e Leila blainvilliana (Lea, 1834), espécie esta última
muito semelhante a primeira vista com A. trapesialis quanto a tamanho
e aspecto externo, como "sub-produto malacocultor" sustentável
da piscicultura de água doce para consumo humano, pelo seu tamanho
avantajado em relação a outras espécies, surgindo como
idéia a possibilidade da criação em série destes
moluscos com fins comerciais alimentares e na produção de "pérolas
de água doce" ( experiências em andamento no "Departamento
de Pesca da UFRPE - Estação de Aqüicultura Continental"
) em espaços confinados - a denominada "Naiadicultura", cultivo
de naiades ou bivalves de água doce, utilizando-se justamente peixes
de açude tais como carpas e / ou tilápias para prover o necessário
vetor intermediário no ciclo larval destes, um campo inédito
do "agronegócio" no Brasil passível de ser explorado.
Referências:
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Nota sobre Diplodon e Anodontites (Mollusca-Pelecypoda) de rios
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