por Ignacio Agudo
Muito antes dos históricos anais, registros e/ou relatos datados em tempos bíblicos, pragas biológicas de diversa natureza e composição vem assolando (… e até mesmo comprometendo) a existência do homem sobre a faz do planeta. Mas na prática, o quê é uma praga ?
Desde o ponto de vista lexicológico atual, o termo “praga” compreende, basicamente, todo surto de espécies (exóticas ou nativas) que, pela sua proliferação populacional em determinado tempo e espaço, tornam-se nocivas ao desenvolvimento humano (muito além das tradicionais e diversas atividades agrícolas de colheita, de todos bem conhecidas), se entendendo com isto qualquer espécie, raça ou biótipo de vegetais (plantas daninhas, também referidas como plantas invasoras ou plantas espontâneas), agentes patogênicos (doenças causadas por fungos, bactérias, fitoplasma, vírus e viróides) ou animais (insetos, ácaros, nematóides, etc) sujeitas a esta condição.
Embora dito termo, como já antes exposto, se refira tanto a plantas (neste caso as chamadas “ervas daninhas”) como a certos animais (principalmente insetos), também encontramos entre os fascinantes e diversificados MOLUSCOS (1) representantes que preenchem dito papel neste particular item da História Natural, adicionando boa quota e fatia de responsabilidade quanto a sua direta participação e envolvimento na produção de prejuízos econômicos e ambientais diversos, paralelamente a sua não menos importante condição como hospedeiros intermediários de parasitos causadores de doenças, de interesse tanto humano como veterinário (2).
(1) Como já é sabido de todos nós, juntamente com os Insetos (Artrópodes), os Moluscos apresentam a maior variedade de adaptações ao meio entre todos os invertebrados conhecidos, formando um grupo amplamente heterogêneo
(2) http://www.conchasbrasil.org.br/materias/saude/msaudebra.asp
Moluscos na Condição de Pragas no Brasil
Tradicionalmente, a literatura especializada disponível registra, assinala e contabiliza para o território do Brasil em torno de 24 espécies básicas de moluscos, específicos das classes taxonômicas GASTROPODA (na sua maioria) e BIVALVIA, ocorrendo na condição de pragas de natureza diversa.
Notará o leitor, atento aos conteúdos desenvolvidos nesta contribuição, que destas 24 formas malacológicas especificamente referidas (… deixando de lado certas famílias BIVALVIA marinhas e de água doce ou límnicas – lóticas e/ou lenticas – igualmente consideradas e referidas mais adiante), apenas nove (9) formas GASTROPODA correspondem a espécies nativas do Brasil e América do Sul em geral, situação esta que nos remete de imediato, invariavelmente, ao paralelo e não menos preocupante conceito de “Espécie Invasora”:
“… toda forma biótica introduzida por ação humana numa determinada região ou localidade onde antes não ocorria naturalmente, estabelecendo uma população reprodutora espontânea, sem a intervenção humana, e tornando-se uma praga nessa nova localização, ameaçando a biodiversidade local e causando muito prejuízo, tanto econômico como ambiental”.
Um bom exemplo, que na prática verifica plenamente o conceito antes apresentado, a nível regional do Estado de Santa Catarina – SC quanto à “proliferação em vida livre” do caracol exótico gigante africano Achatina fulica (Bowdich, 1822), mesma que vem sendo acompanhada e sistematicamente monitorada por nós nestes últimos anos:
Intencionalmente introduzido em SC entre os anos de 1998 e 2000, via São Paulo – SP, para fins comerciais de Malacocultivo Continental (criação racional de “escargots” para consumo humano), no curto período de apenas seis (6) anos a espécie conseguiu se instalar no meio ambiente e disseminar ao longo da região litorânea (continental e insular) e locais imediatamente adjacentes do Estado (Fig. 1), basicamente em áreas com presença de forte atividade antrópica urbana, semi-urbana e ainda rural, se aproveitando das ideais condições ambientais, notavelmente subtropicais (baixo relevo, estrutura geomorfológica com disponibilidade de fontes calcárias e solos predominantemente arenosos e férteis de encostas, clima com temperaturas elevadas ao longo do ano e sustentados teores de umidade, ocorrência de abundantes microbacias Atlânticas), reinantes no domínio da faixa costeira, além da facilidade para obtenção de alimentos e sensível ausência de potenciais predadores.
Figura 1.- Distribuição atual conhecida do caracol exótico gigante africano Achatina fulica (Bowdich, 1822) no território do Estado de Santa Catarina – SC – Adaptado de AGUDO-PADRÓN (2006)
Ao se considerar as introduções de Moluscos em particular, sejam estas de forma ACIDENTAL(1) ou INTENCIONAL(2), temos que na maioria dos casos elas acontecem através de ações antrópicas (… executadas pelo homem), veiculados pelos seguintes meios vetores assim reconhecidos:
Item Alimentário (Malacocultivos Marinhos e/ou Terrestres)
Fontes Brasileiras de imediato interesse na Internet:
http://www.conchasbrasil.org.br/materias/malacocultura/index.asp Exemplares para Aquários Ornamentais (Marinhos e/ou de Água Doce)
Peixes parasitados com Larvas de Bivalves de Água Doce ou Naiades (Piscicultura Continental)
Água de lastro utilizada pelos Grandes Navios Comerciais Cargueiros (Formas Marinhas e de Água Doce)
Transporte Agrícola e de Viveiros Comerciais (Mudas, Frutos, Hortaliças e Plantas Ornamentais)
Transporte para fins de Pesquisa (Estudos Laboratoriais e de Gabinete)
Bio-controle de Pragas Agrícolas (Introdução de Predadores)
(1) Termo tecnicamente aplicado por especialistas, essencialmente para descrever uma introdução indesejada, e que marca uma deficiência das instituições que realizam o controle/prevenção, considerando-se sinônimas as expressões: “Não Intencional”, “Inadvertida”, “Inconsciente”, e ainda “Escape ou Fuga”
(2) Termo tecnicamente aplicado por especialistas, em referencia a uma introdução planejada ou deliberada/proposital, com um objetivo específico a ser alcançado
De qualquer forma, dentro do processo de uma INVASÃO BIOLÓGICA, e de acordo à Origem da espécie considerada:
1 – Para o caso de Espécies Introduzidas ou Exóticas, com Origem Fora da Região Geográfica em Questão, os especialistas utilizam o termo INTRODUÇÃO (Exs.: O caracol-terrestre gigante Achatina fulica (Bowdich, 1822), espécie nativa da África Ocidental, foi “propositalmente” trazida ao Brasil com fins de Malacocultivo Comercial ; o Mexilhão-dourado Limnoperna fortunei (Dunker, 1857), bivalve límnico oriundo de Bacias Hidrográficas da Ásia, foi “inadvertidamente” trazido até América do Sul e o Brasil, em forma larval, através da “Água de Lastro” transportada pelos Grandes Navios Cargueiros Comerciais)
2 – Entretanto, para o caso de Espécies Nativas, com Origem Dentro da Mesma Região Geográfica, alguns autores preferem aplicar o termo TRASPLANTE (Ex.: A lesma-lixa nativa Sarasinula linguaeformis (Semper, 1885), própria da região Sudeste do Brasil, foi “inadvertidamente” introduzida em Santa Catarina – SC – pelo que considerada “exótica” nesse Estado (Fig. 2) – através do transporte de Mudas Agrícolas, virando séria praga regional em culturas rurais, com incidência focal)
Figura 2.- Lesma-lixa Sarasinula linguaeformis (Semper, 1885), molusco nativo do Sudeste Brasileiro, porém “exótico” em Santa Catarina – SC – Adaptado de AGUDO-PADRÓN (2006)
Convêm ainda comentar que, a transição ocorrente no processo da INVASÃO de qualquer espécie (malacológica ou não) num ambiente “exótico” a sua natureza, se dá através da seguinte seqüência básica, sintetizada em cinco etapas principais:
Transporte – Liberação – Estabelecimento – Dispersão – Impacto
Atendendo ao tipo de ambiente natural onde dita criatura se desenvolve, encontramos hoje no Brasil “moluscos na condição de pragas” a nível:
– TERRESTRE, prejudicando Empreendimentos Agrícolas tradicionais, Hortifrutigranjeiros e Floricultores Ornamentais
– LÍMNICO OU DE ÁGUA DOCE, prejudicando Empreendimentos Agrícolas de base aquática (Cultivos de Arroz Irrigado Pré- Geminado), Piscicultores Continentais em Açudes, assim como Complexos Tecnológicos (Centrais de Abastecimento Aquífero e Usinas Hidroelétricas)
– MARINHO, prejudicando Empreendimentos Ostreicultores (criações de Ostras, Crassostrea spp) e Mitilicultores (criações de Mexilhão ou Marisco, Perna perna), assim como Engenhos Navais diversos
Já desde o ponto de vista dos prejuízos por eles gerados nas atividades antrópicas (humanas), podemos classificar as “pragas de moluscos” no Brasil de imediato em dois (2) grandes grupos principais:
I – MALACO-PRAGAS DE EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS
Figura 3 – Semi-lesma exótica Limax maximus Linnaeus, 1758 (Foto: Ignacio Agudo)
Figura 4 – Megalobulimus (= Psiloicus) oblongus (Müller, 1774) atacando e danificando pés de alface em lavoura rural de hortaliças (Fotos: Ignacio Agudo)
Figura 5 – O exótico Bradybaena similaris (Férussac, 1821) (esquerda) eo nativo Bulimulus tenuissimus (d’Orbigny, 1835) (direita), pequenas terríveis pragas em canteiros, hortas, jardins, vasos e estufas (Foto: Ignacio Agudo)
Figura 6 – Pé de Couve-flor (Brassica oleracea var. botryis) danificado pela ação do caracol Bradybaena similaris (Férussac, 1821) em lavoura rural – substanciais prejuízos á agricultura orgânica (Foto: Ignacio Agudo)
A – Agrícolas e Hortifrutigranjeiros
Envolvendo diretamente pelo menos umas 14 espécies de moluscos terrestres, dentre elas três lesmas-lixa nativas e quatro semi-lesmas exóticas, assim como sete caracóis – 4 exóticos e três nativos (1):
Achatina fulica (Bowdich, 1822) – Caracol
Belocaulus angustipes (Heynemann, 1885) – Lesma-lixa
Bradybaena similaris (Férussac, 1821) – Caracol (2)
Deroceras laevis (Müller, 1774) – Semi-Lesma
Deroceras reticulatum (Müller, 1774) – Semi-lesma
Helix aspersa Müller, 1774 – Caracol (3)
Limacus flavus (Linnaeus, 1758) – Semi-lesma
Limax maximus Linnaeus, 1758 – Semi-lesma (Fig. 3)
Orthalicus (= Oxystyla) phlogerus (d’Orbigny, 1835) – Caracol (4)
Orthalicus (= Oxystyla) pulchellus (Spix, 1827) – Caracol (4)
Sarasinula plebeia (Fischer, 1868) – Lesma-lixa
Sarasinula linguaeformis (Semper, 1885) – Lesma-lixa
Succinea meridionalis d’Orbigny, 1837 – Caracol
Zonitoides arboreus (Say, 1816) – Caracol
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(1) Ocasionalmente, representantes de caracóis gigantes nativos Megalobulimus spp, assim como lesmas-lixa nativas Phyllocaulis spp, também podem constituir um problema sério em horticulturas (cultivos de Morango, dentre outros) e lavouras, chegando a danificar as plantas e também os frutos, depreciando-os
(2) Principal e terrível praga Horticultora a nível nacional
(3) Praga das Videiras – RS. Curiosamente, é justo a partir de atividades “Extrativistas” (http://www.conchasbrasil.org.br/materias/pesca/0612_IA/default.asp, http://www.conchasbrasil.org.br/materias/malacocultura/index.asp) realizadas nos campos, vinhas e bosques da Europa, desde tempos imemoriais, que os imigrantes Italianos e Alemães introduzem nas suas bagagens a espécie no Brasil, no início do passado Século XX
(4) Praga dos Cafezais – SP
Figura 7 – Semi-lesma exótica Limacus flavus (Linnaeus, 1758)
B – Floricultores e Plantas Ornamentais
Envolvendo pelo menos sete espécies de moluscos terrestres, dentre elas três semi-lesmas exóticas, assim como quatro caracóis – 3 exóticos e um nativo, eterno dor de cabeça para “Orquidófilos”, Jardineiros e Afins (*):
Achatina fulica (Bowdich, 1822) – Caracol
Bradybaena similaris (Férussac, 1821) – Caracol
Bulimulus tenuissimus (d’Orbigny, 1835) – Caracol
Deroceras laevis (Müller, 1774) – Semi-Lesma
Helix aspersa Müller, 1774 – Caracol
Limacus flavus (Linnaeus, 1758) – Semi-lesma (Fig. 7)
Limax maximus Linnaeus, 1758 – Semi-lesma
(*) O combate (profissional e/ou amador) destas particulares pragas constitui obrigatória e permanente matéria de referência, sob orientação e consultoria técnica de especialistas, em diversas revistas agropecuárias e de jardinagem com circulação nacional
C – Cultivos de Arroz Irrigado
Envolvendo pelo menos duas espécies nativas de caramujos aquáticos límnicos (*):
Physa acuta (= cubensis) Draparnaud, 1805
Pomacea canaliculata (Lamarck, 1804)
(*) O combate geral de pragas nesta milenar cultura vem sendo bem sucedido nos últimos tempos, através do “Controle Biológico”, método de manejo integrado não agressivo ao meio ambiente neste caso, se valendo do uso de aves aquáticas domésticas, especificamente o denominado “Marreco-do-Pequim”
D – Maricultores (Ostreicultura e Mitilicultura)
Envolvendo de imediatas quatro espécies nativas de caramujos marinhos predadores (1) + 1 espécie de bivalve exótico:
Cymatium p. parthenopeum (von Salis, 1793) (2)
Isognomon bicolor (C. B. Adams, 1845) (3)
Linatella (= Cymatium) caudata (= cingulatum) (Gmelin, 1791) (2)
Stramonita (= Thais) haemastoma (Linnaeus, 1767) (4)
Urosalpinx haneti (Petit, 1856)
(1) Uma outra potencial praga, não reportada ainda no território do Brasil porém presente já nos vizinhos países da Argentina e o Uruguai, é a espécie gastrópode exótica asiática Rapana venosa (Valenciennes, 1846)
(2) Popularmente conhecido como “Caramujo-peludo”
(3) Bivalve exótico invasor do Caribe, ocorrente cada vez com maior freqüência na condição de agressivo “macrofouling” (incrustação maciça) em criações comerciais de Mexilhões ou Mariscos Perna perna (Linnaeus, 1758), com os correspondentes prejuízos do caso
(4) Interessante observar que a ocorrência prejudicial desta espécie em Empreendimentos Malacocultores Marinhos de SC é “revertida” através do seu aproveitamento como “Subproduto Extrativista” desta atividade (http://www.conchasbrasil.org.br/materias/pesca/0612_IA/default.asp).
E – Piscicultoras Continentais em Açudes
Envolvendo estágio larval parasítico de bivalves nativos de água doce ou naiades da Ordem Unionoida, famílias Mycetopodidae (produtora de larvas “Lasidium”) (*) e Hyriidae, gênero Diplodon (produtora de larvas “Glochidium”).
(*) Principalmente a espécie de grande porte Anodontites trapesialis (Lamarck, 1819) (http://www.conchasbrasil.org.br/materias/pragas/limnicos.asp)
II – MALACO-PRAGAS DE ENGENHOS E COMPLEXOS TECNOLÓGICOS
A – Engenhos Navais Diversos
Envolvendo daninhos e destrutivos moluscos bivalves marinhos perfuradores de madeira (*), encontrados em Trapiches, Cascos de Embarcações e Pilares de Cais, dentre outros, pertencentes às famílias Pholadidae e, principalmente, Teredinidae.
(*) Formam um grupo altamente especializado de moluscos marinhos, funcionalmente adaptados para a perfuração de madeira e encontrados na maioria dos ambientes marinhos costeiros e oceânicos, hábito de vida este que desperta grande interesse econômico – causando enormes prejuízos às instalações portuárias e embarcações de madeira – , sendo por outro lado igualmente importante destacar o seu papel ecológico como decompositores da madeira, ao acelerarem os processos de reciclagem de nutrientes e da matéria orgânica nos ambientes que habitam (http://www.conchasbrasil.org.br/curiosidades/default.asp?recid=6)
B – Centrais de Abastecimento Aquífero e Usinas Hidroelétricas
Envolvendo diretamente pelo menos duas das espécies exóticas invasoras asiáticas de bivalves límnicos registradas até agora no país, provocando grandes prejuízos econômicos e ambientais pelo seu peculiar e agressivo comportamento reprodutivo, que leva a obstrução ou entupimento de estruturas por efeito de “Macrofouling” (incrustação maciça), conseqüência do seu rápido desenvolvimento populacional, explosivo e galopante:
Corbicula fluminea Müller, 1774 (1)
Limnoperna fortunei (Dunker, 1857) (2)
(1) Popularmente conhecido no Estado de Santa Catarina – SC como “Berbigão-de-água-doce”, em alusão comparativa a espécie marinha nativa de interesse Extrativista Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791) (http://www.conchasbrasil.org.br/materias/pesca/0612_IA/default.asp)
(2) Popularmente conhecido no Brasil como “Mexilhão-dourado”. Resultado da GLOBALIZAÇÃO, e com apenas quatro centímetros de comprimento, este exótico representante límnico da família Mytilidae tem o potencial de “parar uma cidade”, causando a suspensão do fornecimento de energia elétrica ou de água (ele se insere e procria nas tubulações dos sistemas de captação de água para consumo humano, agregando-se em colônias às paredes dos dutos, obstruindo os canos ; se entrar e se espalhar nas turbinas ou sistemas de arrefecimento de hidrelétricas pode comprometer a geração de energia). E ainda, ao se instalar no casco e nos motores das embarcações, afeta a sua hidrodinâmica, atrapalhando a navegação