Moluscos e Saúde Pública no Brasil
por Ignacio Agudo
Como expresso em anteriores oportunidades pelos mais diversos autores, desde tempos ancestrais muitas e variadas vem sendo as justificativas trazidas à tona para tentar explicar a óptica e o porquê do conhecimento e estudo aprofundado desses seres maravilhosos e impressionantemente diversificados que são os Moluscos, sendo que entre as tantas abordadas particularmente destaca uma pela sua imediata e sensível importância para a população, a denominada Malacologia Médica, ativamente integrada aos campos atingidos pelo setor da Saúde Pública, tanto a nível Zootecnista Veterinário como Médico-Sanitário propriamente dito (Zoonoses), na sua condição de vetores ou transmissores de doenças de tipo parasítico ao homem.
Zooantroponose é um outro termo dado às doenças que podem ser passadas dos animais para o homem.
Envolvidos na transmissão de um conjunto de doenças parasitárias com prevalência significativa em países da América Latina e África, principalmente, em determinadas situações a participação dos Moluscos é indispensável para que a transmissão da doença se instale em uma localidade, razão pela qual ganham importância destacada, fundamentalmente, por se tratar de problemas de saúde pública situados na categoria das chamadas “doenças negligenciadas”, ainda diretamente relacionadas ao denominado “Saneamento Ambiental Inadequado”.
DOENÇAS PARASÍTICAS TRANSMITIDAS POR MOLUSCOS NO BRASIL
Uma ampla revisão geral introdutória, baseada na substanciosa literatura especializada disponível sobre o tema, nos revela de imediato que no território geográfico brasileiro atualmente são contabilizadas pelo menos três formas de doenças do tipo “Verminoses ou Parasitoses” transmitidas por moluscos vetores diversos, terrestres e límnicos/de águas doces, podendo estas serem divididas, pela sua vez e a grandes rasgos, em dois grandes grupos principais, conforme o espaço e ambientes onde estas se desenvolvem:
TRANSMITIDAS POR MOLUSCOS LÍMNICOS
1.- ESQUISTOSSOMOSE, XISTOSE OU BARRIGA D’ÁGUA
Produzida pelo verme Schistossoma mansoni Sambon, 1907 (PLATYHELMINTHES: TREMATODA) (Fig. 1), e transmitida em forma natural no Brasil por 3 espécies de caramujos de água doce da família Planorbidae – gênero Biomphalaria (Fig. 2), sendo a doença parasítica (verminose) melhor estudada no território nacional, pela sua condição de “pandemia” com alto índice de interesse sanitário e/ou epidemiológico humano.
Também conhecida como “Doença do Caramujo”, é uma infecciosa parasitária típica das Américas, Ásia e África, um grave problema de saúde pública global que se espalhou rapidamente, sendo que o Brasil, atualmente, pode ser considerado o maior foco endêmico de Esquistossomose do mundo, conforme especialistas.
Doença exótica (*), chegou ao Brasil trazida pela colônia Portuguesa junto com os escravos africanos (**), acreditando-se iniciou a sua expansão interna em tempos modernos após o ano de 1920, partindo da sua área geográfica endêmica inicial, abrangendo os Estados nordestinos do Ceará e Alagoas. Acredita-se que hoje sejam cerca de 12 milhões os brasileiros infectados ou portadores desta verminose, encontrados, principalmente, nos Estados do Nordeste e em Minas Gerais. Os Estados do Brasil onde a “Esquistossomose” se apresenta com maior freqüência são Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Espírito Santo.
(*) Ovos do helminto foram encontrados inclusos em múmias chinesas e do Egito de mais de dois mil anos …
(**) Ao mesmo tempo em que os escravos eram enviados às mais diversas regiões do país, os moluscos transmissores também eram encontrados em quase todas as regiões onde nunca tinha havido saneamento básico, sendo desta forma, desde a época da colonização, que as condições para a disseminação da doença sempre foram favoráveis …
2.- FASCIOLOSE OU FASCIOLÍASE HEPÁTICA
Produzida pelo verme Fasciola hepatica (Linnaeus, 1758) (PLATYHELMINTHES: TREMATODA) (Fig. 3), e transmitida em forma natural no Brasil por 2 espécies de caramujos de água doce da família Lymnaeidae (gênero Lymnaea) (Fig. 4), sendo que dita verminose apresenta estudos no Brasil orientados mais para o nível Veterinário específico em gado Bovino e Ovino, e pouco/baixo interesse sanitário e/ou epidemiológico humano.
De ampla distribuição geográfica (cosmopolita), ocorre principalmente em regiões de clima tropical e subtropical do mundo, possuindo grande interesse econômico, sendo considerada importante na Medicina Veterinária por acometer criações de Bovinos, Ovinos, Caprinos, Suínos, Bubalinos e vários mamíferos silvestres, assim como na Saúde Pública por, ocasionalmente, infectar o homem. Nas Américas é encontradas principalmente na Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela, Cuba, México e Porto Rico. Já no Brasil é encontrada nas regiões de maiores criações de gado, como Rio Grande do Sul e Mato Grosso; em geral, com ocorrência nos Estados do Sul e Sudeste.
TRANSMITIDAS POR MOLUSCOS TERRESTRES
1- ANGIOSTRONGILÍASE ABDOMINAL
Produzida pelo verme Angiostrongylus (Parastrongylus) costaricensis Morera & Céspedes, 1971 (ASCHELMINTHES: NEMATODA) (Fig. 5), e transmitida naturalmente por diversas espécies de caracóis e lesmas (nativos e exóticos), comuns na sua maioria próximos do homem em canteiros, hortas, lavouras, quintais e jardins, sendo uma doença considerada “emergente”, com escassos estudos efetivamente realizados até agora no Brasil, e ainda com a veiculação popular sem fundamentação científica na mídia (de acordo a especialistas atuantes na área), do caracol exótico africano invasor Achatina (Lisoachatina) fulica Bowdich, 1822 (Fig. 6) como “portador e ativo transmissor” do verme causador da citada doença, situação que vem gerando além desnecessárias situações de pânico entre a população, sendo que o grupo malacológico que mais ganha atenção neste sentido (principalmente na região Sul do Brasil) é o pertencente às popularmente denominadas “lesmas-lixa”, moluscos terrestres desprovidos de concha representantes da família Veronicellidae (Fig. 7), assim como certas “semi-lesmas” exóticas da família Limacidae.
Doença parasitária típica e nativa das Américas, os seus hospedeiros definitivos na natureza são roedores, incluindo as 3 espécies ligadas ao homem – a Ratazana ou Rato-de-esgoto, Rattus norvegicus (Berkenhout, 1769), o Rato ou Rato-de-telhado, Rattus rattus (Linneus, 1758), e o Camundongo, Mus musculus (Linneus, 1758), com populações enormes em muitos ambientes humanos, onde são vetores diretos e indiretos de outras doenças, sendo que roedores silvestres também são hospedeiros definitivos e adaptados ao nematódeo em questão.
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