Respostas para perguntas mais freqüentes sobre Taxonomia, Sistemática, Classificação e Nomenclatura Zoológica, com exemplos em moluscos

por S. Vanin

 

O que é Taxonomia? E Classificação?

A Taxonomia é a ciência responsável por descrever, nomear e classificar os organismos, atuais e extintos. O nome da espécie permite a indexação do conhecimento biológico. Por sua vez, a Classificação – um sistema hierárquico de referência – possibilita com que a informação existente possa ser recuperada.

Existe diferença entre Taxonomia e Sistemática?
Para alguns especialistas, Taxonomia é sinônimo de Sistemática. Para outros, porém, a Sistemática envolve, além da Taxonomia, o estudo das relações de parentesco entre as espécies. Portanto, o objetivo de quem trabalha com sistemática não é apenas descrever a diversidade existente e elaborar um sistema geral de referência, mas também contribuir para a compreensão dessa diversidade. As classificações devem refletir a história filogenética e, portanto, possibilitar a previsão das características dos organismos atuais, além de recuperar as informações indexadas. Devem, também, possibilitar a inclusão de novas espécies no sistema, à medida que elas sejam descobertas e descritas.

Por que os nomes das espécies são importantes?
Existem aspectos da ciência aplicada diretamente relacionados com a Sistemática. Os nomes dos organismos e as informações associadas podem ter importância para a Agricultura, Saúde, Ecologia, Genética, Biologia Molecular e Biologia do Comportamento, entre outras áreas. A Biologia Aplicada depende das identificações corretas, que evitam gastos inúteis ou danos sérios. Por exemplo, a identificação correta de Achatina fulica permite a distinção dessa espécie de gastrópode invasor – uma praga agrícola e possível vetor de doenças ao homem e aos animais domésticos e de criação -, de outras espécies semelhantes, nativas do Brasil e inofensivas. Após a identificação correta, medidas adequadas para controle da praga podem ser adotadas.

Os nomes vulgares são suficientes para armazenar a informação biológica existente?
Nomes vulgares idênticos podem ser dados a espécies taxonômicas muito diferentes, o que pode acarretar grande confusão. Em Portugal, o nome berbigão é dado para um bivalve da família Cardiidae, Cerastoderma edule. Já no Brasil, berbigão é utilizado para designar a espécie Trachycardium muricatum (Cardiidae), também chamada de mija-mija ou rala-côco. Entretanto, berbigão também designa a espécie Anomalocardia brasiliana (Veneridae), conhecida ainda por maçunim, fumo-de-pedra, papa-fumo, pedrinha, samanguaiá, simaguaiá, simongoiá, sarro-de-peito e vôngoli (italianismo, plural de “vongola”). No Brasil, vôngoli também é utilizado para outra espécie, Protothaca pectorina (Veneridae), enquanto que na Itália “vongola verace” designa a espécie Tapes decussatus (Veneridae).

O que é o Código Internacional de Nomenclatura Biológica?
Para dar nomes e classificar os animais existe um conjunto de regras, reunidas no Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. É importante salientar que o código não interfere na liberdade de pensamento, uma vez que não exerce influência sobre os conceitos biológicos seguidos pelos taxonomistas. As regras de nomenclatura apenas prescrevem a maneira de nomear as espécies e as outras categorias taxonômicas, não como definir os táxons. A edição mais recente do Código é a de 1999 (quarta edição), e está disponível na Internet, http://www.iczn.org/iczn/index.jsp

O que são táxons e categorias taxonômicas. Para que servem?
Táxon é um conjunto de organismos que podem ser reunidos com base em uma definição particular. Por exemplo, Bivalvia é o táxon que engloba os moluscos possuidores de concha formada por duas valvas laterais, mantidas unidas por um ligamento dorsal. Categoria é o nome associado a um determinado táxon e que demonstra o nível de generalidade desse táxon em relação aos demais táxons. Por exemplo, os Bivalves são considerados na categoria Classe, de mesmo nível hierárquico que a Classe Gastropoda. A seqüência abaixo apresenta algumas das categorias taxonômicas mais conhecidas e utilizadas, e suas posições relativas. Alguns prefixos, como por exemplo “super-”, “sub-” e infra-”, ampliam o número de categorias disponíveis. As categorias assinaladas com asterisco (*) foram instituídas por Linnaeus, e empregadas em suas primeiras classificações. O sistema lineano é uma convenção. A hierarquia deve ser memorizada para se ter a posição relativa dos táxons.

REINO *

FILO

CLASSE *

ORDEM *

FAMÍLIA

GÊNERO *

ESPÉCIE *

A classificação do berbigão ou vôngoli pode ser a seguinte:

Reino: Animal
Filo: Mollusca
Classe: Bivalvia
Subclasse: Heterodonta
Ordem: Veneroida
Família: Veneridae
Gênero: Anomalocardia
Espécie: Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791)

Quais categorias taxonômicas, em Zoologia, possuem desinências regulamentadas e fixas?
Superfamília (-oidea); Família (-idae); Subfamília (-inae); tribo (-ini); Subtribo (-ina). O código não trata de nomes acima do nível da categoria Superfamília.

Como é que os táxons são descritos e classificados nas várias categorias taxonômicas?
O taxonomista utiliza qualquer qualidade do organismo, que será denominada caráter ou característica taxonômica. Em geral, os caracteres taxonômicos são obtidos do estudo morfológico, mas também podem ser utilizadas características fisiológicas, bioquímicas, comportamentais, gênicas ou moleculares e outras.

Quais são os objetivos da nomenclatura biológica?
Os objetivos da nomenclatura biológica são possibilitar a comunicação e a indexação das informações existentes sobre os organismos. A nomenclatura assegura nome único e distinto para cada táxon, promovendo a estabilidade e a universalidade dos nomes científicos.
Cada espécie possui um nome que consta de um binômio: um nome genérico, seguido de um nome (ou epíteto) específico. Por exemplo, o nome científico do berbigão ou vôngoli é Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791). O primeiro aspecto que se pode notar é que essa espécie possui mais de um nome popular, o que pode originar confusões e atrapalhar a indexação de novas informações que continuam a ser obtidas sobre o molusco. Entretanto, o nome científico é um só. Ele deve ser escrito de maneira destacada, em caracteres itálicos ou sublinhado. Outro aspecto a ser ressaltado é que, em seguida ao nome da espécie, estão citados o nome do autor (Gmelin) e o ano em que a espécie foi descrita (1791). Segundo o código de nomenclatura zoológica, as informações referentes ao autor e à data de publicação não fazem parte do nome específico, mas são geralmente citados, pelo menos na primeira vez que se faz referência a ele no trabalho. Portanto, o nome científico do berbigão pode ser citado como Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791), Anomalocardia brasiliana (Gmelin), ou apenas Anomalocardia brasiliana.

O que é uma espécie (ou um táxon) “incertae sedis”?
É uma espécie, ou um táxon supra-específico, que possui posição taxonômica incerta. Os taxonomistas não conseguem posicionar o táxon no sistema de classificação vigente. Comparar com “nomen dubium”, que possui conceito diferente.

Nova combinação (comb. nov). Por que os nomes dos autores das espécies aparecem às vezes entre parênteses, e outras vezes sem os parênteses?
Vamos analisar os nomes científicos de três espécies do gênero Anomalocardia:
Anomalocardia flexuosa (Linnaeus, 1767) – China.
Anomalocardia producta Kuroda & Habe, 1951 – Sudeste da Ásia e Japão.
Anomalocardia brasiliana (Gmelin, 1791) – Brasil e Caribe.

Pode ser observado que o nome do autor e a data dessas espécies aparecem ou não entre parênteses. Teria sido desatenção, falta de uniformidade ou uma opção? Na realidade, trata-se da observância de uma regra do código de nomenclatura zoológica. A ausência dos parênteses indica que a espécie foi descrita originariamente naquele gênero; a presença dos parênteses significa que a espécie foi originariamente descrita em outro gênero, sendo posteriormente transferida para a atual combinação. No caso da primeira espécie, Linnaeus descreveu a espécie como Venus flexuosa, em 1767. Schumacher, em 1817, descreveu o gênero Anomalocardia, designando como espécie-tipo do gênero Venus flexuosa Linnaeus, 1767, espécie da China, mas não incluiu a espécie brasileira na combinação atual. A espécie brasileira foi descrita por Gmelin (1791) como Venus brasiliana, e posteriormente transferida por Dall (1902) para o gênero Anomalocardia. É interessante observar que o autor (ou autores) que realiza novas combinações genéricas, não é citado no nome das espécies de animais.

Quais as regras principais para a formação de um nome genérico?
O nome do gênero (e também do subgênero) consiste de um substantivo no nominativo singular e deve ser palavra formada por mais de uma letra. Podem ser palavras masculinas, femininas ou neutras. A determinação do gênero gramatical do nome genérico é fundamental, pois o segundo nome do binômio (ou epíteto especifico) deve concordar gramaticalmente com ele. Alguns nomes de gêneros são dados em homenagem a pessoas, e o código apresenta as seguintes recomendações para formações desses nomes: se terminados em consoantes, utilizar os sufixos -ius, -ia (Spengler, Spengleria rostrata; William, Williamia krebsi), -ium; se terminados na vogal a: -ia; se terminados em vogal diferente de a: -us, -a (Fargo, Fargoa buschiana), -um. Existem outros sufixos, por exemplo, -ella, Cooper, Cooperella atlantica, gênero gramatical feminino. O nome do homenageado pode ser utilizado como prefixo, por exemplo, Mikado, imperador do Japão, Mikadotrochus notialis, ou Crassatella (Riosatella) riograndensis, em homenagem ao Prof. Eliézer Rios. O nome do gênero pode ser um conjunto de letras ou palavras, sem significado biológico algum, como em Piseinotecus Marcus, 1955; os professores Ernest e Eveline Marcus tiveram um gato chamado Teco. Uma noite, alguém pisou no rabo do Teco, que começou a miar. Daí Piseinotecus, gênero gramatical masculino, Piseinotecus divae.

Quais as regras principais para a formação de um nome de espécie?
O nome da espécie consiste de uma combinação binária, Gênero + espécie. O nome específico deve ser sempre uma palavra com mais de uma letra. Pode ser:

– um adjetivo no nominativo singular, o qual deve concordar com o gênero gramatical do nome do gênero, masculino, feminino ou neutro. Em geral, a desinência é –us para o masculino, -a para o feminino e –um para o neutro, mas depende da declinação. Por exemplo, exiguus (m), a(f), um(n) é um adjetivo latino que significa pequeno. Foi utilizado nas seguintes espécies: Brachidontes exiguus, Janthina exigua e Vexillum exiguum. Nem sempre a terminação do adjetivo segue o padrão -us, -a, -um. Por exemplo, o adjetivo “belo ou formoso”, em latim, é pulcher (m), pulchra (f), pulchrum (n). Como exemplos de nomes de espécies formados por nomes de gênero masculino, feminino e neutro, combinados com esse adjetivo, temos: Murex pulcher (m), Trigonostoma pulchra (f) e Calliostoma pulchrum (n). Outros adjetivos latinos com três terminações diferentes: glaber (m), glabra (f), glabrum (n) (= liso, sem pêlos); paluster (m), palustris (f), palustre (n) (= que vive nos pântanos). Os adjetivos latinos podem ter duas terminações distintas, sendo a mesma para o masculino e o feminino, como em fragilis (m), fragilis (f), fragile (n) (= frágil) ou mirabilis (m), mirabilis (f), mirabile (n), que significa maravilhoso, e foi empregado nas espécies Pedipes mirabilis (m), Strigilla mirabilis (m) e Triphora mirabile (n). Alguns adjetivos latinos possuem terminação única, qualquer que seja o gênero, como em bicolor (m), bicolor (f), bicolor (n) (= com duas cores), ou atrox (m), atrox (f), atrox (n) (= cruel). Em caso de dúvida, consultar o dicionário.

– um substantivo no nominativo singular, usado em aposição. O substantivo em aposição não precisa concordar com o gênero gramatical do nome do gênero. Exemplos: Conus baiano, Conus carioca, Calliostoma hassler, e Turbonilla kaapor; baiano e carioca são substantivos que designam os habitantes de determinadas regiões do Brasil; Hassler é o nome de um navio norte-americano de pesquisas que visitou as costas do Brasil em 1872, e Kaapor é o nome de uma tribo de indígenas do Brasil.

– um substantivo no genitivo. Utilizado para homenagear pessoas; se o homenageado for do sexo masculino, é empregada a desinência -i (singular, masculino), como em Adelomelon riosi, homenagem ao Dr. Eliézer Rios; se for do sexo feminino, é utilizada a desinência -ae (singular, feminino), como em Plicolinda zelindae, homenagem à Dra. Zelinda Margarida Leão. Se os homenageados forem dois homens, ou um casal, é utilizada a desinência -orum (masculino), como em Polystira coltrorum e Siratus coltrorum, homenagens aos irmãos José e Marcus Coltro, e Olivancillaria buckuporum, homenagem a Profa. Erika Helena e ao Dr. Ludwig Buckup. Se os homenageados forem duas mulheres, é utilizada a desinência -arum (f). Pode ser utilizado, também, em outras situações, como por exemplo, localidades geográficas: Nassarius antillarum (= Nassarius “das Antilhas”), Conus scopulorum ( = Conus “dos rochedos”). Deve ser observado que, nesses casos, os genitivos não se alteram, não importando o gênero gramatical do nome do gênero, assim como ocorre com os nomes em aposição.

Transferência de espécie de um gênero para outro. O que acontece com o “nome” específico (epíteto específico) de uma espécie quando ela é transferida para outro gênero?
Se a espécie for transferida para outro gênero (ver “nome de autor entre parênteses”), o epíteto específico, quando adjetivo, deverá concordar com o gênero gramatical do novo gênero. Por exemplo: Natica é um nome feminino; Natica sulcata é situada, por alguns autores, no subgênero Stigmaulax (masculino), resultando a combinação Natica (Stigmaulax) sulcata. Se o subgênero for elevado a gênero, o adjetivo do epíteto específico (sulcatus, -a, -um) deverá combinar com o gênero do novo nome genérico, Stigmaulax (masculino), resultando a combinação Stigmaulax sulcatus.

Considerar um nome como gênero ou subgênero pode alterar o epíteto específico do nome correto?
Gmelin descreveu Buccinum caudatum Gmelin, 1791. Esse mesmo táxon foi descrito, subseqüentemente, por outros autores, recebendo as seguintes denominações (sinônimos juniores):

Fusus cutaceus (Lamarck, 1816);
Cassidaria cingulata Lamarck, 1822;
Cymatium (Linatella) cingulatum peninsulum M. Smith, 1937;
Cymatium (Linatella) neptunia Garrard, 1963.

Se a espécie for considerada no gênero Linatella, seu nome correto é Linatella caudata (Gmelin, 1791). Porém, Beu (1998) considerou Linatella como subgênero de Cymatium, e o nome da espécie passaria a ser Cymatium (Linatella) caudatum (Gmelin, 1791). Entretanto, já existe outra espécie de Cymatium com o mesmo epíteto específico: Cymatium (Ranella) caudatum (Gmelin, 1791), acarretando homonímia (= duas espécies distintas com o mesmo epíteto específico em um mesmo gênero), o que não é permitido pelo Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Pode ser observado que as duas espécies foram publicadas pelo mesmo autor (Gmelin), no mesmo ano (1791), no mesmo trabalho. Cumpre informar que Cymatium (Ranularia) caudatum (Gmelin, 1791) tem precedência de publicação, pelo número da página, e portanto Cymatium (Linatella) caudatum (Gmelin, 1791) é considerado um homônimo júnior secundário. O primeiro nome disponível para esse último táxon é Fusus cutaceus (Lamarck, 1816), e o nome correto resulta Cymatium (Linatella) cutaceum (Lamarck, 1816).
Portanto, neste exemplo, o nome correto da espécie é distinto, caso Linatella seja considerado gênero ou subgênero: Linatella caudata (Gmelin, 1791) ou Cymatium (Linatella) cutaceum (Lamarck, 1816), respectivamente.

Dúvidas sobre o gênero gramatical de um nome, gênero ou espécie?
É preciso ter atenção, pois nem sempre o gênero gramatical de um nome de gênero é o que aparenta ser à primeira vista. Por exemplo, Calliostoma é neutro, mas costuma ser tratado na literatura como feminino, por terminar em –a. Porém stoma (= boca, abertura) é palavra grega, gênero gramatical neutro. Dessa forma o nome correto é Calliostoma militare e não Calliostoma militaris. Existe um dicionário de gêneros gramaticais de nomes científicos, disponível na Internet em “ Malacolog.Version 3.3.3. ”, http://data..actnstsci.org/wasp/. Clicar em “the gender dictionaries”, preencher o quadro “epithet” com o nome do gênero ou espécie, clicar em “search” e aguardar o resultado. Por exemplo, a busca “Calliostoma” resulta “gender neuter”, e “militare” resulta “adjective”, “alternative endings: militaris, masculine, feminine”.

Quais os procedimentos para que a descrição de uma espécie nova seja considerada válida?
Os procedimentos estão previstos no Código de Nomenclatura Biológica. Os principais são os seguintes: o nome deve ser publicado em uma revista ou livro, que assegure divulgação com propósito de utilização científica. Cópias do trabalho devem estar disponíveis aos interessados, mediante venda ou distribuição gratuita. Após 1999, são considerados válidos nomes publicados de forma não convencional, na Internet, por exemplo, desde que o texto liste cinco Bibliotecas importantes que tenham recebido uma cópia do trabalho.
Não são considerados trabalhos publicados: após 1930, manuscritos reproduzidos por fac-símile; fotografias; provas tipográficas; microfilmes; registros sonoros; etiquetas de exemplares; cópias de artigos não publicados; textos ou ilustrações distribuídos por meio eletrônicos (ex. Internet); resumos de artigos, painéis ou textos de palestras, apresentados em reuniões científicas.

O que é série-tipo de uma espécie?
São todos os exemplares em que o autor da espécie se baseou para fazer a descrição específica. Se o autor quiser excluir um ou mais exemplares examinados, sobre os quais possui dúvidas quanto à associação específica, deve assinalar claramente a exclusão.

O que é “tipo”?
“Tipo” é o padrão de referência que determina a aplicação precisa de um nome zoológico. O tipo de uma espécie nominal é um exemplar, o de um gênero nominal é uma espécie nominal, e o de uma família nominal é um gênero nominal. Por exemplo, o tipo de Conus henckesi Coltro, 2004 é um exemplar rotulado como “holótipo” e depositado na coleção malacológica do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Além desse holótipo, existem outros exemplares utilizados na descrição original da espécie e que foram designados como parátipos e depositados em outras coleções. O tipo do gênero Conus é a espécie Conus marmoreus Linnaeus, 1758. O tipo da família Conidae é o gênero Conus Linnaeus, 1758.
O Código Internacional de Nomenclatura Zoológica recomenda que os holótipos, assim como os demais tipos (ver “principais tipos do grupo da espécie”), sejam depositados em instituições que possuam infra-estrutura para preservar os exemplares nas melhores condições e os mantenham acessíveis para estudos.

Quais os principais “tipos” do grupo da espécie (espécie e subespécie)?
Holótipo – exemplar único, designado ou indicado como espécime-tipo de um táxon nominal do grupo da espécie, por ocasião da publicação original.
Parátipo – todo espécime de uma série-tipo além do holótipo.
Síntipo – cada exemplar de uma série-tipo da qual não se designou holótipo. Antigamente os exemplares eram designados cótipos.
Lectótipo – um, dentre vários síntipos, designado como o espécime-tipo de um táxon nominal do grupo da espécie. Essa designação é feita somente quando o autor original não designou um holótipo.
Paralectótipo – cada um dos síntipos originais remanescentes após a seleção de um lectótipo.
Neótipo – exemplar único designado como o espécime-tipo de um táxon nominal do grupo da espécie, nos casos em que o holótipo, lectótipo e todos os parátipos, paralectótipos ou síntipos, foram perdidos ou destruídos.

Onde estão depositados os tipos das espécies brasileiras?
A fauna brasileira foi, inicialmente, estudada por naturalistas estrangeiros, que visitaram o Brasil nos séculos 18 e 19. As coleções reunidas por esses naturalistas foram enviadas para a Europa. Os tipos das novas espécies então descritas estão depositadas, principalmente, nos grandes museus europeus. Somente no século 20 é que surgiram instituições brasileiras voltadas para os estudos de taxonomia e sistemática, e que passaram a reunir coleções contendo material-tipo.
A atual legislação brasileira regulamenta essa matéria, e prevê que espécies (ou subespécies) a serem descritas pela ciência deverão, obrigatoriamente, ter o holótipo e parte dos demais espécimes da série-tipo (parátipos) depositados em coleção cadastrada no Cadastro Nacional de Coleções.

O que é localidade-tipo?
É o local geográfico onde foi coletado o tipo (holótipo, lectótipo ou neótipo) de uma determinada espécie. Por exemplo, a localidade-tipo de Anomalocardia brasiliana, fornecida pelo autor (Gmelin, 1792), é in Brasiliae litore, ou seja, “no litoral do Brasil”. Pode ser observado que, nesse caso, a indicação é bastante imprecisa. Em alguns casos, informações nos rótulos que acompanham os rótulos do material-tipo, podem restringir a localidade. Ao descrever uma espécie, o taxonomista deveria fornecer os dados mais precisos possíveis referentes à localidade-tipo.

O que é nome válido?
É o nome correto de um táxon. Um táxon pode ter vários nomes disponíveis, mas apenas um é o nome válido. Em geral, o nome válido é o nome mais antigo.

O que é nome disponível?
É um nome que satisfaz aos vários critérios de disponibilidade, previstos no Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Deve ser ressaltado que um nome disponível não é necessariamente um nome válido.

Quais os critérios para que o nome seja considerado disponível?
Dentre os vários critérios previstos pelo CINZ, os principais são: nome deve ter sido publicado; deve ser latino, latinizado, ou tratado como palavra latina; deve ser consistente com os princípios da nomenclatura binomial (há exceção prevista para nomes publicados antes de 1931). Deve ser observado que o nome é disponível, mesmo que se torne um sinônimo júnior. Ele pode ser empregado novamente, se a sinonímia for julgada equivocada, se for constatado que o sinônimo sênior é inválido ou não-disponível.

O que são sinônimos?
Cada um dos dois ou mais nomes aplicados ao mesmo táxon. O nome mais antigo é denominado sinônimo sênior, e o mais recente denominado sinônimo júnior. Sinônimo objetivo é cada um dos dois – ou mais – sinônimos baseados no mesmo tipo. Sinônimo subjetivo é cada um dos dois – ou mais – sinônimos baseados em tipos diferentes, mas que foram considerados como pertencentes ao mesmo táxon por zoólogos que os interpretaram como sinônimos.

O que é a Lei de Prioridade?
É a lei do CINZ que determina que o nome válido de um táxon é o nome disponível mais antigo aplicado a ele. Entretanto, existem exceções previstas no CINZ. Por exemplo, a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica pode validar um nome mais recente. Foi o que aconteceu com Donax hanleyanus Phylippi, 1842, sinônimo júnior de Donax hilairea Guerin, 1832. O Prof. Walter Narchi (1983) solicitou à Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica a conservação do primeiro nome, justificando que o sinônimo sênior permaneceu sem uso na literatura zoológica durante mais de cinqüenta anos. A Comissão atendeu à petição, Donax hilairea Guerin, 1832 foi considerado nomen oblitum (nom. obl. ou nome esquecido) e suprimido da lista de nomes válidos. O nome válido da espécie passou a ser Donax hanleyanus Philippi, 1842.

O que é um nomen novum (nom. nov.)?
Também denominado nome de substituição, é um nome novo publicado, ou um sinônimo disponível, adotado para substituir um nome mais antigo e válido, no caso deste estar pré-ocupado. Por exemplo, Terebra reticulata Simone & Veríssimo, 1995 é um homônimo júnior de Terebra reticulata Sowerby, 1840. Os dois táxons são distintos, foram colocados no mesmo gênero (Terebra) e, portanto, não podem possuir o mesmo epíteto específico (reticulata). Assim sendo, Simone (1999) criou um nome novo para o homônimo mais recente: Terebra crassireticula Simone, 1999.

O que é um nomem nudum?
Nomen nudum (plural, nomina nuda) é o nome científico que não pode ser utilizado, pois não atende a um dos critérios previstos pelo Código Internacional de Nomenclatura Zoológica (CINZ) para ser considerado válido.
A razão mais freqüente é o nome não ter sido publicado. Nesse caso, o nome é denominado in litteris. Todo nome in litteris é um nomen nudum. Morretes (1949), com base em rótulos de espécimes depositados em coleções, listou vários nomes de espécies in litteris em seu Ensaio de Catálogo dos Moluscos do Brasil, criando vários nomina nuda, como por exemplo, Megalobulimus garbei Ihering e Strophocheilus rubra Mezzalira. Outro exemplo, mais recente, é Drymaeus sentalus (sem autor e data), referida e ilustrada em Oliveira & Almeida, 1999, Conchas dos Caramujos Terrestres do Brasil (Ignácio Agudo, comunicação pessoal).
Outra possibilidade é o nome ter sido publicado em desacordo com os critérios do CINZ. Importante observar que esses critérios variam segundo as diferentes edições do CINZ, e isso deve ser considerado ao se verificar a validade de um nome (CINZ, nomes publicados antes de 1931, art. 12; após 1930, art.13; após 1999, artigo 16). Por exemplo, antes de 1931, uma simples referência a uma descrição ou figura existente na literatura é suficiente para validar o nome de uma espécie. Após 1930, a proposta do nome deve ser acompanhada de uma descrição.
Um nomen nudum pode ser utilizado, posteriormente, para designar o mesmo ou outro conceito do táxon, e passará a ser válido se os critérios previstos pelo código forem atendidos. Nesse caso, o nome científico passa a ter a autoria e a data dessa última publicação. Nomina nuda não deveriam ser referidos na literatura taxonômica, a não ser que haja real necessidade.
O CINZ recomenda aos autores que em comunicações ou resumos não utilizem nomes de táxons que ainda não foram formalmente descritos e publicados. Caso o uso seja necessário, os autores deveriam deixar bem claro que tais NOMES NÃO DEVEM SER UTILIZADOS ATÉ SEREM PUBLICADOS (CNZI, recomendação 9A).

O que significa nome pré-ocupado?
Trata-se de um homônimo júnior, ou seja, um nome específico (chamado de “epíteto específico”) que já havia sido utilizado para outra espécie descrita no mesmo gênero. Ver exemplo em nomen novum.

O que é um homônimo?
Um dentre dois ou mais nomes iguais que designam diferentes táxons do grupo da espécie (espécie dentro do mesmo gênero, ou subespécies dentro de uma mesma espécie), ou diferentes táxons do grupo do gênero, ou dentro do grupo da família. Casos de homonímia devem ser analisados, para verificar se existe algum sinônimo júnior disponível para o táxon. Caso contrário, deve ser criado um nome novo (ver nomen novum). Na literatura existem casos pendentes, aguardando solução. Novas combinações podem acarretar problemas de homonímias. Por exemplo, dois táxons distintos, descritos em dois gêneros distintos, possuíam o mesmo epíteto específico, situação aceita pela nomenclatura zoológica: Syrinx marmorata Röding, 1798 (espécie do Mar Vermelho e Mediterrâneo) e Fusus marmoratus Philippi, 1846 (espécie do Atlântico). Posteriormente, ambas as espécies foram transferidas para o mesmo gênero, Fusinus, o que acarretou homonímia: Fusinus marmoratus (Röding, 1798) – homônimo sênior e Fusinus marmoratus (Philippi, 1846) – homônimo júnior. O nome da segunda espécie, mais recente, deve ser alterado, por estar pré-ocupado; entretanto, enquanto alguém não publicar a mudança, a espécie deve continuar a ser denominada F. marmoratus (Philippi, 1846).

Qual o significado de subespécie, forma e variedade?
Na literatura zoológica, se observa que as espécies costumam ser divididas em unidades subespecíficas: subespécie, forma e variedade. Dentre estas, o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica só reconhece e regulamenta a categoria subespécie. O nome da subespécie é um trinômio, sendo que o último termo corresponde ao nome subespecífico, por exemplo, Ranella australasia gemmifera (distribuição geográfica: África do Sul e Atlântico Oeste). Quando se reconhecem duas ou mais subespécies, automaticamente uma delas deve ter o mesmo nome do que a espécie – a espécie nominal, isto é a subespécie correspondente ao exemplar-tipo da espécie que foi subdividida, Ranella australasia australasia (distribuição geográfica: Pacífico Sudoeste). Ainda segundo o CINZ, a subespécie deve corresponder a uma raça geográfica. Portanto, subespécies distintas não podem ocorrer em simpatria, ou seja, em uma mesma localidade. Se ocorrerem, ou devem ser consideradas espécies distintas, ou variações morfológicas de uma mesma espécie. O CINZ não reconhece formas ou variedades; portanto, nomes atribuídos a essas duas categorias não têm validade em nomenclatura científica. Infelizmente, muitas das formas e variedades citadas na literatura antiga foram interpretadas como sendo subespécies em trabalhos mais recentes, sem a devida análise crítica dos aspectos biológicos.

Como se cita o nome do subgênero?
O nome de um subgênero, quando utilizado em combinação com o nome do gênero e o da espécie, deve ser colocado entre parênteses entre aqueles nomes, por exemplo: Thais (Stramonita) haemastoma. O nome do subgênero não faz parte do nome da espécie, não sendo contado como uma das palavras do nome binominal de uma espécie, ou do trinômio de uma subespécie. Alguns autores elevam o subgênero à categoria de gênero, o que resulta no binômio Stramonita haemastoma. (Ver “nova combinação” e “transferência de espécie de um gênero para outro”).

Dúvidas sobre autoria e data de publicação do nome de uma espécie animal?
Consultar o “site” http://www.biosis.org.uk ou diretamente o link http://www.biosis.org.uk/ion/search.htm. Basta digitar o nome científico no local apropriado e o programa busca o autor e a data correspondentes.

O que significam as abreviaturas sp (ou spp.), cf. e aff. após o nome do gênero?
Para citar uma espécie de um gênero, mas que não tenha sido identificada, faz-se uso da abreviatura “sp.”, que significa “espécie”. Por exemplo, Polystira sp., ou seja, uma espécie qualquer do gênero Polystira. Se for necessário fazer referência a várias espécies do gênero, a abreviatura a ser utilizada é “spp.”, “espécies”: Polystira spp. Deve ser observado que sp. ou spp. não são escritas em itálico ou sublinhadas. Quando o especialista não tem certeza sobre a identificação, é freqüente utilizar a abreviatura “cf.” que significa “confronte com, ou “compare com”: Polystira cf. florenceae . Quando não se consegue identificar uma espécie, se considera que ela deve ser uma espécie nova e afim de uma outra já descrita, utiliza-se a abreviatura aff., do latim affinis, i.e, parente, próxima. Como no primeiro caso, cf. e aff. não são escritas em itálico ou sublinhadas.

Nomen dubium. Quando o nome de uma espécie é considerado nomen dubium?
Nomen dubium (nom. dub.) é o nome cuja aplicação a qualquer táxon conhecido é incerta. Isso se deve a descrições ou ilustrações deficientes, que não possibilitam reconhecer a espécie.
Epitonium eburneum (Potiez & Michaud, 1838) é um exemplo de nomen dubium. Clench & Turner (1951) apresentam uma pequena discussão sobre essa espécie, na página 288 (Clench, W.J. & R.D. Turner, 1951. The genus Epitonium in the western Atlantic. Part. I. Johnsonia 2(30): 249-288). Os autores não informam se existe material-tipo e onde estaria depositado. Informam que a distribuição geográfica é desconhecida. Consideram que não é possível decidir qual é essa espécie. Os poucos caracteres reconhecíveis na descrição deficiente e na ilustração considerada ruim são pouco informativos, e concordam com algumas espécies distintas! Comentam, ainda, que talvez seja semelhante a Epitonium lamellosum e a Opalia australis. Sugerem, por fim, que esse nome saia da lista das espécies do Atlântico oeste. Pelo exposto, apenas o exame do material-tipo poderá resolver o problema. Se estiver perdido, será extremamente difícil descobrir a qual táxon atribuir o nome E. eburneum. Se o material-tipo for localizado e estiver em boas condições talvez seja possível o reconhecimento. Talvez se possa retirar alguma informação nos rótulos que acompanham o material e que indiquem a procedência do(s) exemplar(es). Enquanto isso não acontece, não há como considerar se Epitonium eburneum é uma “espécie válida”, ou se é “sinônimo de outra espécie”. Deve ser ressaltado que o nome é disponível, embora seja considerado nomen dubium.

Como os organismos são classificados? Quais os fundamentos da Sistemática Filogenética ou Cladística?
A teoria da sistemática sofreu profundas modificações a partir de 1950, quando o entomólogo alemão Willi Hennig revolucionou o estudo das classificações biológicas. Hennig mostrou que a classificação dos organismos deve estar relacionada com a compreensão do parentesco filogenético, e não com a simples semelhança, uma vez que a diversidade existente é resultado do processo de ramificação das espécies ancestrais em espécies descendentes. O axioma fundamental da Sistemática Filogenética (também denominada cladismo) é que toda a natureza apresenta uma ordem hierárquica, conseqüência da história evolutiva dos organismos. Essa história pode ser descoberta e representada mediante um diagrama hipotético, denominado cladograma. A hipótese filogenética é construída com base nas novidades evolutivas compartilhadas pelos organismos (sinapomorfias), considerando-se que sejam expressas da maneira mais parcimoniosa possível (princípio da parcimônia).

A classificação cladística apresenta vantagens em relação à classificação construída com base apenas nas semelhanças?
Uma classificação biológica que se baseia na filogenia terá muito mais capacidade de previsão, possibilitará entender a evolução de todos os caracteres, mesmo aqueles ainda não considerados – por serem desconhecidos ou terem sido ignorados pelo taxonomista –, resultando em um sistema de referência mais eficiente. Tal classificação será útil para o sistemata, para o biólogo em geral, e para os pesquisadores das demais áreas correlacionadas à Biologia.

Como se constrói um cladograma?
Hennig levou em conta que os caracteres se transformam ao longo dos tempos, devido à evolução biológica. Portanto, determinado caráter pode se apresentar de maneiras diversas em diferentes ramos evolutivos. São os chamados estados do caráter. Por exemplo ( Fig. 1 ), o caráter forma do espinho pode se manifestar como espinho liso ou espinho denteado (estado a e estado b, respectivamente). O estado b pode ter se originado a partir de a, ou vice-versa. Se soubermos em que sentido se deu a transformação (a para b, ou b para a), o caráter pode ser considerado polarizado, ou seja, passa a ser conhecido qual o estado primitivo (plesiomórfico) e qual o estado derivado (apomórfico).

FIG 1. Caráter 1 “forma do espinho”, com dois estados, (a) espinho liso, (b) espinho denteado.
FIG. 2. Polarização dos estados de um caráter, segundo o método do grupo externo; X, Y e Z, grupos externos; A + B+C, grupo interno.
FIG 3. Duas possibilidades existentes de polarização dos estados do caráter 1, segundo a distribuição apresentada no cladograma da fig. 2. A hipótese mais parcimoniosa é a (1), pois implica em apenas um passo evolutivo (explicação no texto).

Para determinar a condição do estado do caráter, Hennig considerou ser fundamental verificar como o caráter no grupo que está sendo estudado (grupo interno) se manifesta nos táxons proximamente relacionados (grupos externos). A decisão é baseada no princípio de parcimônia, ou seja, utiliza-se a hipótese mais simples, aquela que requer menos passos evolutivos. No exemplo acima, se nos grupos externos for observada a existência de espinho liso, fica evidente que esse é o estado primitivo: a condição espinho liso (grupos externos e grupo interno) teria de passar para espinho denteado (grupo interno). Portanto observa-se um passo evolutivo. A outra possibilidade seria menos parcimoniosa, pois implicaria que o estado primitivo, espinho denteado, teria que passar para espinho liso (nos grupos externo e interno) e para espinho denteado (no grupo interno). Portanto, dois passos evolutivos. Na prática, o estado do caráter que estiver presente tanto no grupo interno, quanto no externo, é considerado como condição ancestral (plesiomórfica), a partir da qual a nova condição derivada (apomórfica) originou-se.

Uma vez que os estados dos caracteres estejam polarizados (ou seja, definiu-se se são plesiomórficos ou apomórficos), pode ser construída a matriz mostrando a distribuição dos estados dos caracteres nos diferentes táxons ( fig. 4 ). Os táxons serão agrupados exclusivamente com base no compartilhamento de estados apomórficos (sinapomorfias). Tais grupos baseados em sinapomorfias são denominados monofiléticos, e podem ser utilizados na classificação. Grupos merofiléticos (não-monofiléticos), baseados em plesiomorfias ou homoplasias, não podem ser utilizados nas classificações da Escola Filogenética. A hipótese mais parcimoniosa será aceita, enquanto que as demais serão rejeitadas. As incongruências constatadas serão consideradas homoplasias ( fig. 5 , caráter 7).
Homoplasias ocorrem quando o estado derivado se origina, a partir do primitivo, mais de uma vez, independentemente (convergência), ou quando o estado derivado sofre nova modificação, para uma situação semelhante ao estado anterior (reversão). Como exemplo de convergência podemos citar a existência de conchas pateliformes (em forma de chapéu chinês) em espécies de famílias com parentesco distante, como Acmaeidae e Siphonariidae. Como exemplo de reversão, temos a redução ou perda das conchas em vários moluscos com parentesco distante, como lesmas terrestres, lesmas marinhas (nudibrânquios), lulas e polvos. Apesar das semelhanças (conchas parecidas, ou conchas reduzidas ou ausentes), os estados derivados tiveram origens independentes, a partir de ancestrais distintos.

Para Hennig, os táxons utilizados para a classificação não podem ser simplesmente agrupamentos de conveniência, criados arbitrariamente. Devem ser “grupos naturais”, que existem, possuem uma origem a partir de processos naturais, e podem ser descobertos. As novidades evolutivas (apomorfias) são os marcadores dos processos evolutivos anagenéticos (processos evolutivos que alteram as características morfológicas dos organismos, como as mutações) e cladogenéticos (processos evolutivos que causam a divisão de uma linhagem em dois ou mais ramos descendentes, como as barreiras geográficas). Portanto, somente os agrupamentos cuja realidade histórica seja suportada pela observação de pelo menos um caráter no estado derivado (grupos monofiléticos), podem ser utilizados para a classificação.

Antes de Hennig admitia-se que as espécies poderiam ser primitivas ou derivadas, podendo ocorrer espécies intermediárias (algumas dessas espécies seriam os famosos “elos perdidos”). O mesmo valia para táxons supra-específicos. Entretanto, para Hennig os conceitos de “primitivo” e “derivado” (plesiomórfico e apomórfico) só devem ser aplicados para os caracteres, e não para os táxons onde ocorrem. As espécies apresentam um mosaico de características, algumas ocorrendo na condição plesiomórfica, outras na apomórfica, além das homoplasias, resultantes das convergências e reversões. Portanto, não existem espécies “primitivas” ou táxons “primitivos”.

A teoria de Hennig foi aperfeiçoada e ampliada por autores subseqüentes, graças aos avanços nos fundamentos teóricos e às melhorias da computação. Em relação à polarização dos caracteres e à parcimônia, o progresso foi muito grande. Foram desenvolvidos vários programas de computador para elaborar as árvores filogenéticas e para verificar as modificações de cada caráter. Mais recentemente, métodos moleculares foram desenvolvidos, possibilitando o conhecimento da filogenia ao nível dos genes, e são utilizados em escala crescente. Assim, dispomos atualmente de uma metodologia capaz de formular hipóteses testáveis de parentesco, com base no exame de grande número de características de espécies atuais e fósseis.

FIG. 4. Matriz de distribuição dos estados dos caracteres 1 a 8, nos táxons A, B e C. Estados plesiomórfico (0) e apomórfico (1).
FIG. 5. Dois cladogramas originados a partir dos dados apresentados na matriz da fig.3 : (a) hipótese mais parcimoniosa, com uma homoplasia (9 passos); (b) hipótese menos parcimoniosa, com duas homoplasias (10 passos). Estados sublinhados são homoplasias.

Qual a importância das categorias e táxons para a sistemática filogenética?
Qualquer classificação biológica utiliza o conceito de táxon: conjunto de organismos reunidos com base em uma definição particular. Categoria é o nome associado a um determinado táxon e que demonstra o nível de generalidade desse táxon em relação aos demais, ou seja, a categoria exprime o grau hierárquico existente entre os diferentes táxons. Uma vez que, de acordo com os códigos de nomenclatura biológica, algumas categorias são consideradas obrigatórias, elas são necessárias para formalizar qualquer proposta de classificação, seja ela filogenética ou não.

Quais tipos de táxons não são aceitos pela sistemática filogenética?
Táxons monofiléticos são aqueles cujos membros compartilham um ancestral comum exclusivo, e podem ser justificados por apresentarem características derivadas ou apomórficas (ver “como se constrói um cladograma”, fig. 2 , exs: XYZABC, Y ZABC, ZABC, ABC, X, Y, Z, A, B, C). Táxons parafiléticos são aqueles nos quais falta um táxon monofilético para torná-los monofiléticos, ou, segundo alguns autores, são táxons baseados em plesiomorfias (exs, fig.2 : XYZAB – para se tornar monofilético é preciso acresentar C; XYABC – para se tornar monofilético é preciso acrescentar Z; XYZ – para se tornar monofilético é preciso acrescentar ABC). Táxons polifiléticos são aqueles nos quais faltam dois ou mais táxons monofiléticos para torná-los monofiléticos, ou, segundo alguns autores, são táxons baseados em homoplasias (exs, fig.2 : XYBC – para se tornar monofilético é preciso acrescentar Z e A, XABC – para se tornar monofilético é preciso acrescentar Y e Z; XZ, para s etornar monofilético é preciso acrescentar Y e ABC).
A sistemática filogenética só aceita classificações elaboradas com táxons monofiléticos, pois esses são os grupos naturais que refletem as relações evolutivas. Táxons parafiléticos ou polifiléticos não podem ser utilizados em classificações filogenéticas.

O que é grupo-irmão?
Grupo-irmão é o grupo monofilético mais próximo de outro grupo monofilético. Os dois grupos-irmãos compartilham um ancestral comum exclusivo.
Em um cladograma, os pontos de onde divergem os ramos são denominados nós Considerando-se o nó mais basal do cladograma da fig.2 , temos dois grupos-irmãos, os grupos monofiléticos X e YZABC; no nó seguinte, Y é grupo-irmão de ZABC; finalmente, Z é grupo-irmão de ABC. No nó correspondente ao grupo ABC, três terminais partem do mesmo ponto (politomia), e nesse caso não existem grupos-irmãos evidentes. Enquanto a politomia não for resolvida, podem ser consideradas três possibilidades: A grupo-irmão de BC (e B grupo-irmão de C), ou B grupo-irmão de AC (e A grupo-irmão de C), ou C grupo-irmão de AB (e A grupo-irmão de B).

Como se transforma um cladograma em uma classificação?
Na classificação filogenética, os táxons nomeados baseiam-se no padrão da história evolutiva, expresso pelo cladograma. Os agrupamentos hierárquicos evidenciados pela topologia do cladograma devem ser expressos inequivocamente na classificação. Isso implica em que, dada uma classificação, deve ser possível recuperar a topologia do respectivo cladograma original. Para elaborar classificações, só são utilizados táxons monofiléticos, mas podem ser utilizados procedimentos de subordinação, de seqüenciação ou mistos.
No procedimento por subordinação, cada grupo-irmão existente no cladograma recebe categoria de mesmo nível hierárquico. No procedimento por seqüenciação, uma sequência de táxons do cladograma pode receber a mesma categoria associada. Cada procedimento tem vantagens e desvantagens (entre outras, número maior ou menor de categorias que devem ser empregadas e memorizadas, número de táxons que recebem nome, necessidade do uso de maior número de convenções, e ocorrência de táxons redundantes – ver abaixo). Na prática, se utiliza o procedimento misto (parte subordinação e parte seqüenciação).
Existem algumas convenções que devem ser adotadas para se transformar um cladograma em classificação. Cumpre destacar as seguintes.

Algumas categorias são obrigatórias: filo, classe, ordem, família, gênero e espécie.
Categorias obrigatórias devem ser empregadas, mesmo quando esse uso resultar em táxons redundantes, ou seja, o quando o mesmo táxon recebe, sucessivamente, categorias diferentes. No exemplo abaixo de classificação por subordinação, ordem X, família X e gênero X correspondem ao mesmo táxon X, com uma única definição, mas que está associado a três categorias distintas. Nesse exemplo, essas três categorias devem ser utilizadas por obrigatoriedade do código, não havendo nenhuma informação biológica adicional, correspondente a cada categoria.
No sistema por seqüenciação, o táxon mais basal do cladograma é citado primeiro, e assim por diante.
Sedis mutabilis. No sistema por subordinação, possíveis politomias ficam evidentes, pois mais de dois táxons terão a mesma categoria associada (ex. abaixo, gêneros A, B e C). Isso não acontece no procedimento por seqüenciação, no qual vários táxons podem apresentar a mesma categoria associada. Para evidenciar a politomia, acrescentam-se aos táxons correspondentes o termo latino sedis mutabilis, que indica que novas evidências podem alterar a sequência adotada.
Vamos considerar o cladograma da fig.2 , supor cada terminal como gênero, e propor classificações por seqüenciação e por subordinação.
Classificação por Subordinação
Vamos associar ao táxon XYZABC a categoria classe

classe XYZABC
ordem X

família X

gênero X

ordem YZABC

família Y

gênero Y

família ZABC

subfamília Z

gênero Z

subfamília ABC

gênero A
gênero B
gênero C

Classificação por Sequenciação
Vamos associar ao táxon XYZABC a categoria família, para evitar o uso de táxons redundantes.

família XYZABC

gênero X
gênero Y
gênero Z
gênero A, sedis mutabilis
gênero B, sedis mutabilis
gênero C, sedis mutabilis

Deve ser observado que, nos dois casos, com o auxílio das convenções adotadas, a topologia do cladograma original pode ser recuperada, a partir da classificação. Na classificação por seqüenciação, o gênero X é grupo-irmão do que segue abaixo; a seguir, Y é grupo-irmão do restante; Z é grupo-irmão de ABC; e, finalmente, o uso de sedis mutabilis indica a politomia de ABC. Na classificação por subordinação, todos os grupos-irmão estão explicitamente indicados, e a existência de três táxons com mesma categoria associada já é uma indicação de que se trata de uma politomia.

Só existe uma classificação possível a partir de um cladograma?
Não. Vamos considerar os seis terminais da fig.2 como espécies. Podemos ter as seguintes classificações possíveis e metodologicamente corretas, de acordo com a sistemática filogenética:
Um gênero: gênero XYZABC, com seis espécies
Dois gêneros: gênero X com uma espécie, e gênero YZABC, com cinco espécies
Três gêneros: gênero X com uma espécie, gênero Y com uma espécie, e gênero ZABC com quatro espécies
Quatro gêneros: gênero X com uma espécie, gênero Y com uma espécie, gênero Z com uma espécie, e gênero ABC com três espécies.
Seis gêneros, cada um com uma espécie: gêneros X, Y, Z, A, B, C.
Observe que, de acordo com o cladograma da fig.2 , não existe a possibilidade de se considerar cinco gêneros, pois há uma politomia não resolvida (ABC). Não há informação que permita propor os gêneros AB ou BC. Entretanto, se considerarmos o cladograma da fig.5a , o gênero BC pode ser proposto, com duas espécies.
Além dessas seis possibilidades, nenhuma outra proposta é aceitável, segundo a classificação filogenética. Por exemplo, os gêneros XYZ, XY, AZB, seriam parafiléticos, e XZ e XABC polifiléticos, e não são aceitáveis pois não possuem sustentação filogenética.
A escolha fica sob a responsabilidade do sistemata que propõe a classificação, e deve se basear na maior qualidade de informação biológica associada aos táxons nomeados e com a menor utilização de táxons redundantes. A pior opção, sem dúvida alguma, seria utilizar seis gêneros, cada qual com uma espécie, o que acarretaria a existência de seis táxons redundantes.

É possível representar um cladograma sem utilizar uma figura ou uma classificação?
Sim, por meio de notação parentética. Cada grupo monofilético existente no cladograma é representado por meio de um par de parênteses. No cladograma da fig.2 podemos reconhecer os seguintes grupos monofiléticos: XYZABC, YZABC, ZABC, ABC, X, Y, Z, A, B, C. A representação do cladograma em notação parentética será: (X(Y(Z(ABC))))
Recomenda-se iniciar pelo grupo mais interno (ABC) e incluir, sucessivamente os grupos-irmãos (Z(ABC)), (Y(Z(ABC))), (X(Y(Z(ABC)))). Observe que o número de parênteses que “abrem” é ígual ao de parênteses que “fecham”, no caso quatro pares de parênteses. Observe, também, que é possível reconstruir o cladograma a partir da notação parentética, principiando-se, novamente, pelo grupo mais interno (ABC).

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